Louise Browaeys trabalha a terra como as palavras. Assina, no final deste ano, três obras de referência, O Regime de Saúde Planetária, um Pequeno manual de Cozinha Punk e uma fábula eco-feminista, A Desagregação. Conversa em torno de temas que nos são caros: a alimentação, a ecologia e o feminismo.
És autora, permacultriz, engenheira agrónoma, especialista em RSE… Pareces estar em vários fronts e apaixonada por diferentes áreas, podes-nos falar do teu percurso ?
Nasci perto de Nantes, à beira do Loire, onde os meus pais são viveiristas. Por isso, desde logo estive mergulhada no mundo das plantas! Cresci entre um jardim e uma biblioteca, e os meus pais transmitiram-me esse amor pela jardinagem e pela natureza.

Estudei agronomia [ na AgroParisTech ] e trabalhei primeiro na agricultura biológica. Depois descobri o mundo das organizações e trabalhei na RSE durante anos. Fiz a ligação entre uma abordagem “orgânica” da agricultura e uma abordagem “orgânica” das organizações, através da permacultura humana em particular.
Estou por conta própria há três anos, e trabalho naquilo que eu chamo as três ecologias: ecologia interior, ecologia relacional, ecologia ambiental.
Foste tu quem teorizou essas três ecologias?
Não propriamente, hoje em dia há muitas pessoas que a reivindicam! Na origem, vem do filósofo Félix Guattari. A ecologia interior remete para o discernimento e para a singularidade, a ecologia relacional diz respeito ao vínculo com o outro, a ecologia ambiental é o impacto que temos na paisagem.

Comecei a escrever aos 12 anos e sabia que a escrita também seria algo importante na minha vida. Publiquei primeiro ensaios sobre permacultura e ecologia. Depois escrevi livros de receitas.
Acabas de publicar um livro coescrito com Hélène Schernberg, O Regime de Saúde Planetária pelas edições La Plage. Vocês recomendam modificar o conteúdo dos nossos pratos, pela nossa saúde e pelo ambiente até 2050. Podes-nos dizer mais?
Para O Regime de Saúde Planetária, partimos de um estudo científico chamado EAT-Lancet Report, que explica o que doravante será preciso comer para a nossa saúde e para a do planeta. A ligação entre ambos é bastante fácil de compreender! O prefácio é de Walter Willet, que é um médico norte-americano e investigador em nutrição na Universidade de Harvard.
Analisámos este estudo a fundo! A ideia foi traduzir um discurso científico e sério em receitas, em gestos, em novas posturas. Falámos da transição alimentar, apresentámos números, recomendações…
Aumentar a proporção de proteínas vegetais nos nossos pratos é a base. Mas também seria preciso rever as nossas gorduras, desenvolver o cru, o fermentado e a diversidade do que há nos nossos pratos.
Eu tenho duas manias. A primeira é o prazer. “O prazer é uma forma de produção” diz Bill Mollison, um dos fundadores da permacultura. E para mim o prazer na cozinha também é muito importante. A segunda é aceitar os falhanços. No livro, propomos receitas muito fáceis de fazer. Porque ver no Instagram pessoas que têm sucesso sempre pode ser desencorajador. E isso, nesse aspeto, é uma mudança de postura, por isso diz respeito à ecologia interior.

Este livro, a Hélène Schernberg e eu estamos muito orgulhosas, porque trabalhámos muito nele. Com Je cuisine écolo das edições Larousse, são os dois livros de receitas de que mais gosto!
Quais são as principais recomendações do regime de saúde planetária?
Tento não colocar as coisas de forma negativa. Sobre a carne: há muitas injunções negativas, por isso é preciso ter cuidado. As recomendações são os títulos dos nossos capítulos:
- consommer plus de fruits et légumes
- diminuer la viande et le poisson et surtout mieux les choisir
- redécouvrir les céréales complètes, consommer plus de légumineuses, plus d’oléagineux
- remplacer les oeufs ajoutés
- réduire sa consommation de lait et produits laitiers
- éliminer les sucres ajoutés, bien choisir les matières grasses et les produits transformés
- privilégier les produits locaux et de saison
- privilégier les modes de production durable
- réduire ses déchets et le gaspillage en cuisine (réutiliser les restes, manger les fanes..).
E também apresentámos o top 15 dos alimentos saudáveis e o top 50 dos alimentos do futuro. Para estes alimentos do futuro, partimos de outro estudo particularmente interessante da WWF e da Knorr, que selecionou aqueles que têm um menor impacto ecológico, boas características nutricionais, que são acessíveis, que têm sabor, e que são aceites pelos consumidores e consumidoras.
Quais são, atualmente, os obstáculos a este regime planetário?
É uma questão de conhecimento! As pessoas associam a cozinha vegetal a uma cozinha aborrecida e pouco saborosa, porque não a conhecem. O que se faz com um pacote de lentilhas? Para mim, esse é o entrave. Porque quando sabes cozinhar isso, à indiana ou à italiana, ou como no Médio Oriente, com bons óleos, especiarias, ervas e cores, fica muito saboroso. Há um problema de desconhecimento sobre a forma de cozinhar pratos vegetarianos, para que sejam ao mesmo tempo apelativos, saborosos e saudáveis.
Quando se fala em regime “planetário”, está-se a dirigir a populações europeias ou é algo que se pode aplicar em todo o mundo?
Procurámos ser abrangentes quando falamos dos objetivos. São recomendações que podem ser generalizadas. Falamos sobretudo de produtos que vêm do nosso território, mas todos os grandes temas que acabei de abordar são transponíveis para os países muito industrializados, onde domina a junk food.
Em alguns países menos industrializados, diminuir o consumo de carne não faz sentido para certas populações, porque elas já não comem assim tanta carne. É preciso ter sempre em consideração as condições pédo-climáticas, as culturas, os usos, as necessidades, os recursos… Seria necessário poder adaptar estas recomendações a cada país. O livro dirige-se mais a um contexto europeu.
Associamos frequentemente a agricultura local à agricultura ecológica. Falávamos desse retorno à localidade com Bastien Beaufort, o diretor da Guayapi (uma marca que valoriza alimentos provenientes de colheitas selvagens em florestas análogas na Amazónia e no Sri Lanka). Segundo ele, também se pode ter uma alimentação ecológica com alimentos que vêm de longe, desde que o seu modo de produção permita sequestrar carbono, compensar o seu transporte e colaborar com pequenos produtores e produtoras.
Não me atreveria a julgar este projeto que não conheço. Sim, não devemos afastar-nos de certos alimentos que vêm de longe e que não conseguimos produzir aqui.
Obviamente, há alimentos que vêm de longe e que são prioritários: café, cacau, especiarias… Como não os podemos cultivar aqui, é preciso trabalhar particularmente nessas cadeias, para que sejam justas.
Mas comprar kiwis vindos da Nova Zelândia quando os temos em França parece aberrante. Quanto ao quinoa, há locais onde é cultivado e vendido de forma justa, mas também há locais com grandes abusos, onde isso desequilibra os solos e a economia das famílias, porque de repente passa a ser uma cultura de exportação e os habitantes locais abandonam a sua agricultura de subsistência. É isso que explicam Marcel Mazoyer e Laurence Roudart em Histoire des agricultures du monde, um livro muito bonito!
Para voltar ao quinoa, cultiva-se na França, na região angevina. Acho que prefiro consumir um quinoa local em vez de um quinoa que vem de longe. É interessante provar, experimentar novos alimentos… Mas para alguns produtos em massa, não. Penso nas bananas, por exemplo, nas poluições que isso provoca no local e nos transportes que isso acarreta.

Fala-se muito de superalimentos, mas eles nem sempre vêm de longe! Lembro-me de ter estudado em nutrição a groselha-preta, a ameixa seca, todos os superalimentos que temos aqui! Poderíamos dispensar o chocolate, mas aí tocaríamos diretamente no princípio do prazer na cozinha!
No Regime de Saúde Planetária, propões aplicações concretas com imensas ideias de receitas. Já publicaste cerca de quinze livros de receitas, aliás, incluindo um que acabou de sair sobre a Cozinha Punk nas edições Terre Vivante. O que é a cozinha Punk?
Sobre este Pequeno manual de Cozinha Punk: tratava-se de abordar um novo ângulo para falar novamente de cozinha alternativa, mais vegetal, mais equitativa, mais saudável…

Poder-se-ia pensar que a cozinha punk é comer cerveja e croquetes, mas não, é regressar à cultura Punk. Ou seja, reivindicar uma cozinha alternativa, e deixar de estar naquele lado um pouco “feminino”, “instagramável”. Falou-se de alimentos anti-capitalistas, do cru, do podre…
Há um artigo científico sobre a cozinha punk, que fala do cru e do podre, ou seja, do cru e do fermentado. Há diferentes aspetos : rejeitar o consumismo, a dominação da agroindústria, as marcas, reciclar e reaproveitar, respeitar o planeta, celebrar a diversidade, poupar…
Há uma certa beleza em tudo isto. E também um lado muito deslocado: por exemplo quando fazes fermentar os teus iogurtes de aveia no radiador.
E que lugar ocupa a cozinha na tua vida? Quem te iniciou nela?
É a minha mãe. Há receitas familiares nos meus livros! Sempre adorei cozinhar, copiava tudo no meu caderno de receitas: receitas da minha mãe, receitas da minha avó que eu não conheci, da minha tia-avó, da minha avó paterna, receitas da mãe do meu primeiro namorado…

Toda essa alteridade feminina permaneceu, muito disso foi feito por mulheres. Mas tudo isto está a mudar, cada vez mais homens cozinham. Aliás, também tenho receitas do meu avô e o seu famoso arroz doce!
É isso que é bom nos teus livros, não é demasiado marcado por género…
Não, é verdade que isso, para mim é insuportável. Quanto a mim, tenho muitas atividades, tenho um filho, não quero passar sequer uma hora por dia na cozinha.
O que proponho e sobre o que falo é cozinha fácil de fazer, que se prepara na véspera, ou em que usas restos para fazer algo muito rápido, muito bem, muito saboroso! Não quero passar o dia inteiro na cozinha!
Assinas também, neste regresso, o teu primeiro romance na Harper Collins, La dislocation, descrito como uma «fábula eco-feminista». Para ti, como é que estas duas lutas, a ecologia e o feminismo, estão ligadas?
É uma questão ampla e delicada. Existem vários eco-feminismos e uma pluralidade de formas de ser eco-feminista. É bastante difícil falar sobre isso assim, teoricamente.
Digamos que se trata de aproximar estas duas lutas, a ecologia e o feminismo, fazendo um paralelo entre a opressão que a mulher sofreu ao longo dos séculos, e a opressão e a violência que se inflige ao planeta e à terra.
Há o pensamento absolutamente apaixonante de Françoise D’Eaubonne, que é uma filósofa francesa que praticamente esquecemos. Ela diz que tudo isto começa no Neolítico, quando os homens tomaram o controlo tanto da fertilidade dos solos como da fecundidade das mulheres. É a partir desse momento que entramos em dez mil anos de capitalismo, de dominações, de apropriações, de violências.

O que também me interessa é o conceito de “reapropriação”, com o movimento Reclaim nos Estados Unidos, por exemplo, do qual fala nomeadamente Emilie Hache no seu coletânea de textos ecofeministas que tem esse nome [ Reclaim ]. Como hoje as mulheres se reapropriam do feminismo e da forma de ser mulher? Elas dizem: agora somos nós que vamos decidir o que queremos, e vamos reconectar-nos com a nossa própria força interior.
Como sair de tudo o que foi projetado sobre nós, como nos reapropriamos de uma forma de ser mulher, feminista, humana na Terra. E, aliás, isto diz respeito igualmente aos homens. O tema subjacente é antes como cada homem e cada mulher cultivam em si tanto o princípio masculino quanto o feminino e como se reúnem no amor. É por isso que isto diz respeito tanto aos homens como às mulheres. Como eu, enquanto mulher, vou cultivar o meu princípio masculino, para poder melhor acolher o princípio feminino?
Estás a acabar um segundo romance, também está ele escrito numa perspetiva ecológica?
Eu não tenho realmente uma mensagem nos meus romances, e é isso que é libertador precisamente, em comparação com a escrita de ensaios, que é mais cerebral e didáctica. O romance escreve-se com o coração e com o corpo. Estás realmente na liberdade e na nuance. Também podes fazer campanha contra ti próprio, com a diversidade de discursos das tuas personagens.

Mas é verdade que não consigo deixar de situar cenas e de colocar questões relacionadas com a ecologia.
Quais são os teus projectos futuros?
Comecei outro projecto, composto por fragmentos; é um projecto mais ligado à poesia que chamei “Verdures”. Este mês também sai pela Rustica um grande livro colectivo sobre a autonomia em que participei, na parte “autonomia no trabalho”.
E tenho vontade de escrever um livro sobre o sexo e o amor. É um grande tema, quero tratá-lo bem, tomar o tempo, partir para recolher testemunhos!
Retrato © Matthieu Brillard

